O SEGURADO NO SEGURO GARANTIA JUDICIAL – Reflexão do clausulado padrão da SUSEP.
O SEGURADO NO SEGURO GARANTIA JUDICIAL –
Reflexão do clausulado padrão da SUSEP.
A Circular SUSEP 477/2013 tipifica o seguro garantia no artigo 2ª fixando que ele “objetiva garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado” e apresenta duas espécies i) o seguro garantia: segurado – setor público (artigo 4º) e ii) seguro garantia: segurado – setor privado (artigo 5º), cada uma com clausulado padrão específico, anexos I e II, respectivamente.
O
seguro garantia judicial é descrito no âmbito do setor público, conforme inciso
II, do artigo 4º, sendo que as condições gerais aplicáveis estão no anexo I e as
condições especiais na modalidade VI. Em
razão das regras contratuais e a localização do produto parece não haver dúvida
que o intuito da SUSEP foi apresentá-lo como uma subespécie do seguro garantia
do setor público.
O seguro garantia do setor privado, no entanto, é tipificado no artigo 5º através do critério de exclusão de que ele “objetiva garantir o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado no contrato principal firmado em âmbito distinto do mencionado no art. 4º” Assim, quando a obrigação principal assumida pelo tomador não tiver como destinatário um ente da Administração Pública ou do Poder Concedente, o seguro será classificado como seguro garantia do setor privado, com condições gerais e especiais totalmente distintas, anexo II.
Atentando-se unicamente ao seguro garantia do setor público, no qual o seguro garantia judicial está vinculado, o inciso II, do § 1º, do artigo 6º da Circular determinar que o segurado será “a Administração Pública ou o Poder Concedente”. Esta mesma determinação está no item 2.13, da cláusula 2, das condições gerais do anexo I. Contudo, as condições especiais da modalidade VI (do mesmo anexo I), que é exclusivamente aplicáveis às apólices de seguro garantia judicial, no inciso I, da cláusula 2 aponta que o segurado será o “potencial credor de obrigação pecuniárias “sub judice””, sem que exista qualquer referência à constituição jurídica deste credor, seja pessoa física ou jurídica, de direito público ou de direito privado, ente da administração pública ou não.
Em suma,
a norma principal (Circular 477/2013), que utilizou o critério de distinção das
espécies a natureza jurídica do segurado (setor público e setor privado), fixa
que o segurado será a Administração
Pública ou o Poder Concedente,
sendo que as condições gerais seguem este entendimento; porém, as condições
especiais da mesma espécie determina que o segurado pode ser qualquer credor
independentemente da sua constituição jurídica contrariando o principal
critério de distinção elegido pela própria norma.
Essa
confusão da Circular resulta no conflito prático sobre quem é realmente o
segurado na apólice de garantia judicial. Há apólices que indicam como segurado
o juízo (Vara, Tribunal, Câmara, Turma) no qual tramita o processo, em razão de
ser membro da administração pública por meio do Poder Judiciário, conforme o
corpo da Circular e as condições gerais. Todavia, há apólices que indicam como
segurado a pessoa física ou jurídica ocupante do polo adverso do processo, ou
seja, “o potencial credor” da
obrigação discuta no processo, independentemente, da sua constituição jurídica
seguindo as condições especiais da modalidade VI, do anexo I.
As
consequências práticas desta confusão normativa são várias: i)
as condutas do segurado podem impossibilitar a renovação da garantia (item 4.2,
da cláusula 4ª da modalidade VI); ii) o segurado é o destinatário
direta garantia do segurador contra o risco de inadimplemento do tomador,
conforme art. 757 do Código Civil, único capaz de dar ciência e aquiescência
sobre a aceitação do seguro; iii) a seguradora é obrigada a
indenizar o segurado e não terceiros em decorrência do sinistro (artigo 13 da
Circular), por isso, nada impede, que o segurador pague a indenização
diretamente a outra parte da ação imediatamente executando a contragarantia do
tomador sem que haja depósito na conta do juízo, por exemplo; iv) o
segurado em conjunto com o segurador têm o poder de extinguir a apólice, sem
vincular a decisão do tomador; v) no processo judicial, a outra
parte do processo pode desistir da ação ou renunciar ao seu direito ficando sem
poder extinguir o seguro caso o segurado seja o juízo.
A
dinâmica do dia a dia mostra que há inúmeras situações em que é fundamental
eleger de forma correta o segurado na apólice.
Outra
confusão que nasce desta incongruência está na exata compreensão do que é i)
garantia da obrigação principal no processo e ii) garantia do juízo
enquanto consequência processual. Ambas utilizam o termo garantia, mas com efeitos
práticos e jurídicos distintos.
Pela
apólice de garantia judicial, o segurador garante o legítimo interesse do segurado
quanto ao risco de inadimplemento pelo tomador da obrigação principal discutida
em juízo é instrumentalizada pelo depósito judicial gerando os efeitos
processuais de garantia do juízo viabilizando o prosseguimento da demanda e/ou
obtenção de vantagem processual. O meio
processual que se insere o seguro é o de caução ou penhora cujo efeito prático
é a concretização da garantia do juízo exigido por lei para continuidade do
processo e/ou concessão de liminar ou efeito suspensivo, em casos específicos. O
seguro garante imediatamente a obrigação principal discutida em juízo
supostamente devida pelo tomador à outra parte processual e mediatamente ele instrumentaliza
a garantia do juízo como preenchimento das exigências legais para
prosseguimento do processo; assim, o juízo (ente da administração pública
vinculado ao judiciário) nunca será o destinatário final da garantia do
segurador, nunca receberá para si a indenização em caso de sinistro. O segurado
na apólice de garantia judicial, portanto, é e sempre será o “potencial credor” do valor discutido no
processo seja pessoa física ou jurídica, se direito público ou privado,
conforme correta indicação do item II, da cláusula 2, da modalidade VI.
Em
exemplos práticos, a apólice emitida para os embargos de execução provisória
trabalhista terá como função principal garantir a obrigação principal
supostamente devida pelo tomador (empregador) para o seu emprego, que será o
segurado, ou seja, o destinatário da indenização em caso de sinistro; o juiz
trabalhista, enquanto membro da “administração pública” do Poder Judiciário,
irá apenas verificar o preenchimento dos requisitos legais para concessão dos
efeitos processuais pertinentes à configuração da garantia do juízo.
Outro
exemplo é quando uma seguradora se utiliza do seguro garantia judicial para
garantir o juízo numa ação cível de execução de seguro de vida buscando obter
efeito suspensivo aos embargos à execução; o segurado será o autor da ação,
provavelmente, o beneficiário do segurado falecido, por exemplo; o juiz será o
membro da administração pública que verificará o preenchimento dos requisitos
legais para a aceitação da apólice determinado o efeito da garantia do juízo e
decidindo pela concessão ou não dos efeitos processuais pretendidos.
Neste
ponto, é importante manter distância do seguro garantia judicial para execução
fiscal disciplinado pela modalidade VII, do anexo I, no qual o segurado é o “credor de obrigação fiscal pecuniária em
cobrança judicial” (item I, cláusula 2), que obrigatoriamente será pessoa
jurídica vinculada à administração pública (Receita Federal, Secretaria da
Fazenda Estadual ou Municipal) e, em breve, iremos refletir sobre a estrutura
da norma.
Em
síntese, o item I, da cláusula 2, das condições especiais da modalidade VI, do
anexo I, que é incongruente com as condições gerais e com a própria Circular
477/2013, deve ser aplicado na prática porque mostra a configuração exata do
segurado no garantia judicial, que será sempre o “possível credor” da obrigação discutida no processo atrelada ao
risco de inadimplemento do tomador, sendo o juízo apenas instrumento da
administração pública para pacificação social através do poder jurisdicional
tendo escopo de verificar o preenchimento de todos os requisitos legais para
concessão dos efeitos jurídico dentro do processo de forma razoável, imparcial,
proporcional e equânime, conforme artigo 8º do Código de Processo Civil.
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